Eu contive o riso ao te ver vestida de colombina cor de rosa, pois eu já conheço o seu temperamento e não me pareceu boa idéia travar contigo mais uma discussão boba pré-carnavalesca; o mais estranho foi constatar que você fica linda até mesmo vestida assim.
Decidi por não vestir minha fantasia de arlequim arrependido, revirei meu antigo baú e reencontrei meu velho tamborim dos tempos de moleque, e mesmo após tanto tempo sem empunha-lo, decidi levar o instrumento junto comigo.
E mais uma vez nós fomos às ruas lotadas, e fizemos parte do colorido da folgança popular, você não sabe, mas eu vi sua risada escondida quando sambei torto ao som da cabeleira do Zezé, debaixo de alguns poucos pingos saudosos de chuva, e equilibrando meu tamborim com a cachaça.
Nos abraçamos fortemente tentando acompanhar a marchinha embriagada que se fazia doce em seus ouvidos de colombina indefesa, enquanto o Zé-Pereira arrastava uma multidão às suas costas e uma horda de menininhas travestidas de ciganas corria loucamente à nossa volta, e de repente tudo se juntava ao cenário da folia, todas as cores vinham de encontro ao nosso próprio encontro e todos os olhares prestavam festejos ao nosso beijo mascarado, e todos os risos encardidos se chocavam ao nosso riso oculto.
Por alguns momentos fomos dois meros desconhecidos à espera de seus pares, sumidos, encobertos pela multidão de fantasiados, seresteiros, bailarinas, mendigos, tocadores de zabumba e tantos outros. Fomos um só disfarce mal acabado, uma só quimera, um sumiço dentro das marchas que vinham uma a uma e enlaçavam os nossos joelhos uns aos outros.
Era apenas o início da festa que se prolongaria pelos próximos dias e noites, ainda haveriam muitas fantasias a serem rasgadas e máscaras para quebrarmos, zombaríamos pelas madrugadas adentro, colorindo as avenidas com os nossos risos e ilusões, iríamos gargalhar infantilmente até de nossos insucessos, e nem nos importaríamos em dançar com as pernas bambas o nosso samba atravessado até cansarem os nossos pés.
E já ebriamente cansados ao fim do efêmero festejo, marcharíamos descalços sobre o tapete de serpentinas molhadas, ouvindo os ecos resplandecentes das marchas de dias atrás, catando ainda devaneios que havíamos deixado pelo caminho, a fim de que a nossa existência foliona se perpetuasse pela infinitude de nosso baile de máscaras.
2008-01-31
2008-01-07
Vodka Barata
Estas ruas sem almas não me dizem respeito, nem seus becos escuros me soam estranhos, mas a melodia da neblina que recai sobre os telhados e que ecoa solitário por entre os prédios e bares ainda vazios, me parece estranhamente familiar.
Há pessoas por todas as partes, embora na maioria das vezes eu finja não vê-las, não sei se por medo ou vergonha, ou até por achar que muitos deles riem de mim. Eu até queria um cigarro, faz tanto tempo que não fumo, tanto tempo sem heroína, sexo ou álcool, esse tipo de coisa que melhora de forma tão fácil a vida da gente, nos deixando em um estado de torpor, eu sonho acordado ainda que aquilo que eu veja seja somente a escuridão.
Ah, mas dela me lembro bem, o vestido bordô que delimitava perfeitamente o contorno de seu corpo, o batom vermelho que acentuava seus lábios, o seu olhar de moça inocente, o modo como fumava e parecia não saber o que o cigarro fazia em sua boca. Naquela madrugada seca embriagamo-nos de vodka barata e conversamos sobre os nossos dramas triviais, ela era um mulher de poucas idéias, mas que conseguia me distrair com as suas mentiras.
Houve uma época em que não me importava se haveria a tarde seguinte, ou se descobriria um novo céu para a minha existência. Foram tempos estranhos de palavras escasssas e auto-piedade, e que parecem voltar agora com muito mais força, como uma dor que mostra-se intrínseca a mim.
Não me sinto mal assim desde o dia em que quebrei minha máquina de escrever, acho. Aliás, aquela foi a última vez em que a encontrei, perdida pelas esquinas de nossa cidade, procurando algum bêbado solitário interessado em lhe pagar o seu almoço do dia seguinte, ou meramente uma criança louca disposta a compartilhar de sua droga. Eu fui o louco, e fui o bêbado também.
Eu fui o amante, o panaca que não sabe o que quer, fui o falso amigo, o otário que empresta a pouca grana que tem, fui o consolo. Ela se divertia com meu desespero, me chamava de garoto perdido e me levava à sua cama úmida. Grande porcaria; ela mal sabia o que fazer, não sabia quem era ou para onde fugiria quando não desse mais para adiar o pagamento do aluguel ou a conta do bar.
Não sou bom jogador, e me torno pior quando tento a trapaça .Mas dessa vez eu me dei mal pra valer, os caras notaram a minha cara de babaca quando eu saquei o ás de meu bolso. Talvez não fosse tão ruim se não fosse a quarta tentativa, talvez não fosse tão ruim se não fosse o dinheiro que me restava, talvez não fosse tão ruim se não tivessem me esmurrado até meus dentes racharem. Mas é tudo suposição.
Eu vou embora, e dessa vez é sério.Vida de merda, cansei de você, cansei também desta cidade maldita, das madrugadas em claro regadas a rum, das putas que gargalham de meu fracasso, dos amigos que não tenho, das festas lúgubres que vez ou outra freqüentei, e destas ruas sem almas que tanto me sufocam.
Depois de tanto tempo, sinto sono, e sinto alívio. Deve ser por não fazer idéia de onde estarei amanhã quando embarcar no primeiro trem que aparecer na estação, desprovido de mala,arrependimentos ou saudades, levando comigo somente a minha guitarra e o meu fracasso.
Já posso ver ao longe as ruínas que meu coração tanto desejou. Não há mais nada a fazer aqui.
Há pessoas por todas as partes, embora na maioria das vezes eu finja não vê-las, não sei se por medo ou vergonha, ou até por achar que muitos deles riem de mim. Eu até queria um cigarro, faz tanto tempo que não fumo, tanto tempo sem heroína, sexo ou álcool, esse tipo de coisa que melhora de forma tão fácil a vida da gente, nos deixando em um estado de torpor, eu sonho acordado ainda que aquilo que eu veja seja somente a escuridão.
Ah, mas dela me lembro bem, o vestido bordô que delimitava perfeitamente o contorno de seu corpo, o batom vermelho que acentuava seus lábios, o seu olhar de moça inocente, o modo como fumava e parecia não saber o que o cigarro fazia em sua boca. Naquela madrugada seca embriagamo-nos de vodka barata e conversamos sobre os nossos dramas triviais, ela era um mulher de poucas idéias, mas que conseguia me distrair com as suas mentiras.
Houve uma época em que não me importava se haveria a tarde seguinte, ou se descobriria um novo céu para a minha existência. Foram tempos estranhos de palavras escasssas e auto-piedade, e que parecem voltar agora com muito mais força, como uma dor que mostra-se intrínseca a mim.
Não me sinto mal assim desde o dia em que quebrei minha máquina de escrever, acho. Aliás, aquela foi a última vez em que a encontrei, perdida pelas esquinas de nossa cidade, procurando algum bêbado solitário interessado em lhe pagar o seu almoço do dia seguinte, ou meramente uma criança louca disposta a compartilhar de sua droga. Eu fui o louco, e fui o bêbado também.
Eu fui o amante, o panaca que não sabe o que quer, fui o falso amigo, o otário que empresta a pouca grana que tem, fui o consolo. Ela se divertia com meu desespero, me chamava de garoto perdido e me levava à sua cama úmida. Grande porcaria; ela mal sabia o que fazer, não sabia quem era ou para onde fugiria quando não desse mais para adiar o pagamento do aluguel ou a conta do bar.
Não sou bom jogador, e me torno pior quando tento a trapaça .Mas dessa vez eu me dei mal pra valer, os caras notaram a minha cara de babaca quando eu saquei o ás de meu bolso. Talvez não fosse tão ruim se não fosse a quarta tentativa, talvez não fosse tão ruim se não fosse o dinheiro que me restava, talvez não fosse tão ruim se não tivessem me esmurrado até meus dentes racharem. Mas é tudo suposição.
Eu vou embora, e dessa vez é sério.Vida de merda, cansei de você, cansei também desta cidade maldita, das madrugadas em claro regadas a rum, das putas que gargalham de meu fracasso, dos amigos que não tenho, das festas lúgubres que vez ou outra freqüentei, e destas ruas sem almas que tanto me sufocam.
Depois de tanto tempo, sinto sono, e sinto alívio. Deve ser por não fazer idéia de onde estarei amanhã quando embarcar no primeiro trem que aparecer na estação, desprovido de mala,arrependimentos ou saudades, levando comigo somente a minha guitarra e o meu fracasso.
Já posso ver ao longe as ruínas que meu coração tanto desejou. Não há mais nada a fazer aqui.
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