2010-12-27

Ensaio Implícito do Tempo

ontem eu era cadáver,
hoje sou balão:
alço voo por errantes céus
em troca de nuvens alvas

ontem eu era pescador,
hoje sou tijolo:
permaneço estático frente
às marteladas do tempo

ontem eu era são,
hoje sou pavio:
explodo em fogo para
dar vida ao candeeiro

[amanhã é dia de folga,
só acordo depois das 10]

2010-09-27

Contínuo

eu não confio em você, nem gosto do seu jeito de jogar sujo com o amor, mas me obriguei a acostumar com isso desde a vez em que você fugiu sem ao menos deixar um bilhetinho colado na porta me meu sobrado. você possui a habilidade única de fazer com que eu sinta uma quase que obrigatória necessidade de ter sua voz a permear meus ouvidos e a cintilar em todos os objetos que fingem estar perto de mim. eu tento economizar parágrafos e engolir metáforas, mas há pouco tempo até que que nossos segredos enlatados venham à tona mais uma vez, e o final do filme todos nós já sabemos como será: eu irei ao supermercado, comprarei aquele pote de pickles importado e o deixarei encoberto em sua geladeira, até que você se lembre de ressaltar para si mesma a importância servil que eu represento em sua vida de dama importante à espera do inatingível final feliz. por minha vez, tento deixar de lado a minha aparente frivolidade e concentrar meus esforços em algo pelo qual valha a pena machucar meus braços, nem que seja em algum carrossel perdido de um parque de beira de estrada, ou um precipício ao fim da garagem que me leve a esquecer esse meu gosto pela vertigem do perigo. de resto, vamos esperar para ver o que acontece quando esse egoísmo recíproco se dissipar e der fim a toda a esperança que eu inventei de ter para dar sentido à banalidade presente em tudo o que eu faço esperando pela sua resposta.




eu sou o cara mais triste que você já conheceu.

2010-08-16

Spacemonkeys

Para medir a obscuridade de
um caminho
não basta contar os passos
que ali foram marcados

É preciso olhar para o céu
e observar atentamente ao
epopéico vôo dos primatas

2010-07-31

O Equilibrista

Sentado à beira da corda-bamba,
observa cambaleante
ao grandioso espetáculo
que se apruma:



o suicídio das andorinhas

2010-04-26

2010-03-25

Sobre os Espinhos

sangra,
pois a vontade é de querer
ser tão leve quanto o tempo

esquece,
serve a loucura de âmago
a quem está no fim

entende,
para que o mal não se alastre
depois de tantos cortejos

levanta,
e adormeça até que a tarde lhe
envernize os olhos

2010-03-01

O Homem-Fome

Debruçado sobre a carcaça
da avenida natimorta,
espia os pés que afundam
na lama cinzenta.

Enche a boca de ar
e deglute o vazio empoeirado,
herança de todo aquele povo.

Cheira as carniças dos
sapatos,
procurando couro fresco
a fim de saciar o seu voraz
silêncio.