Só hoje durante meu sagrado café do fim de tarde, servido pra prolongar minha insônia, fui me ater para o fato de que ontem durante nosso breve papo, acabei por esquecer de lhe contar sobre algum de meus planos infundados.
Eles vão soar infantis, mas é que alguns deles tenho desde meus nove anos de idade, quando eu já era a criança sonhadora de hoje. Eu queria ter um barco, construir um barco talvez, traçá-lo de minhas próprias mãos seria mais prazeroso, um barco amarelo, cor de maracujá, todo polido e pronto para adentrar ao mar; mas eu o deixaria na areia em dias nublados, à beira da praia, com os pedaços da chuva que não chegariam a lhe molhar a face.
Talvez seja por isso que eu goste tanto daqueles dias cinzas que faziam durante nossa estada em Buenos Aires, e dos dias cinzas que ainda fazem aqui da janela de meu apartamento: você espera pela tempestade e até se assusta com o som dos raios, talvez consiga sentir o cheiro da chuva, sabe que ela não chegará, mas mesmo assim permanece com a certeza de que ela poderia ter chegado e embebedado toda a sua rua.
Ainda sobre os planos, eu também ando querendo arrumar coragem para sujar as paredes do meu quarto com alguns poemas do Drummond, escrevê-los até no teto se me for preciso, eu olho para os cantos de minha parede e consigo ver os escritos do poeta, talvez coubesse a quadrilha inteira ali, com João, Tereza e Raimundo, e a aurora dos poetas bêbados, e eu dormiria todos os dias ao som das palavras do velho poeta.
Achei tão singelo o postal que você me enviou com o desenho borrado das crianças com fome em alguma rua de Pequim, eu consegui ver amor naquela imagem, ainda que ambaçado de tanta tristeza flagela. Depois de tantos meses imerso em minha cama e afogado em meus livros, eu me senti orgulhoso ao constatar que ainda enxergo leveza onde outros apenas vêem as pedras, mas deixemos este assunto pra uma outra hora.
Na próxima viagem que eu realizar, no próximo lugar estranho em que eu me perder, nas próximas estações em que embarcar, pelas próximas avenidas esgotadas de rodas de carros que eu atravessar apressadamente sem passar as minhas mãos sobre as suas, me lembrarei de te escrever uma carta ou um postal, onde eu anotarei umas mentiras autênticas que lhe confortarão, talvez alguns desenhos que fiz ainda garoto, e um bombom, se eu não tiver preguiça de encontrar o teu sabor predileto.
E me lembre de ter a oportunidade de lhe dizer que após esses anos e meses que nos separaram, eu ainda acho que você precisa de sonhos, aí então eu os desenharei em folha alguma e os deixarei por debaixo da porta do seu quarto.
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6 comentários:
Então... todos nós estamos à procura de nossos barcos amarelos...
:)
eu tenho que me aproximar mais do povo de política.
que escrito lindo!
=*
Hoje lembrei do seu barco amarelo quando li o que um certo Pessoa escreveu sobre o lema "navegar é preciso". Segundo ele, "o que é necessário é criar".
Junte tudo na sua pessoa, suje as paredes de amarelo e navegue com Drummond.
Rabuja
.... ?
boa tarde, estranho.
hum,
sentindo falta de seus escritos...feliz ano novinho pra vc...
bjos
Cara, achei dos textos mais belos que já li... Demais!
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