2007-11-17

Sobre as Palavras e Flores

As palavras já não mais nos pertencem e não somos nós que estamos lá fora, são eles, os outros, que esperam aflitos pela nossa ausência e derramam cegos as mesmas lágrimas que derramamos aqui, mas de olhos e peitos abertos, porque nós sabemos que é preciso sangrar desta vez, e se você cair eu cairei também, não por compaixão, mas por fraqueza.

Já fazem 2 semanas desde o começo da primavera e desta vez nunca nos foi tão preciso ser fortes, nunca nos foi tão cobrado ser ingênuos a ponto de não acreditarmos no fim, e até lá tentaremos escapar daqueles que insistem em manchar os nossos sonhos.

Eu ainda me lembro do tempo em que nossos corpos eram frios, mas não tão frios como agora, nós corríamos pelas ruas repletas de corpos vazios, nós éramos como eles, vazios e fracos, mas éramos felizes e não nos importávamos com a fraqueza que nos era imposta, porque no fundo a gente sabia que haveria tempo para buscar a vicissitude daquilo que havíamos perdido por pura arrogância ou mera brincadeira.


Não sei se você ainda pode me ouvir, ou sentir cada gesto ou som que emana daquilo que relembro, mas eu não me importo com a sua surdez temporária, assim como jamais me importei com a sua mania de se achar invencível e de pensar que a cada instante que não se passava o mundo seria sempre seu, e o tempo pararia para assistir aos nossos abraços ou aos nossos informais encontros, mas o mundo não parou, talvez nem nós tenhamos parado, foi apenas o tempo que se encarregou de pôr nossas vidas em seus indevidos acasos. Os mesmos acasos que me levaram de volta à minha casa tempo depois de nossa ingênua epopéia em busca de promessas que ousamos inventar, na esperança de eternizar as derrotas e maquiar a inevitável queda.


Não sei ao certo se é frio o que me cobre, mas agora eu vejo com uma assustadora clareza, enfim sinto as suas lágrimas, e me junto ao seu derradeiro choro, compartilho contigo de sua surdez, nunca fomos um só, nem fomos bastante corajosos ou despertos o suficiente para enxergarmos o que as ruas escondiam de nossas jovens vistas, nunca fomos capazes de pedir ajuda aos que agora dormem do lado de fora e se conformam com o nosso silêncio que se converte em despedida, e apesar da inocência sempre ter sido presente em nossa jornada, eu lhe vejo esboçar um sorriso por acreditar que após tanta dor e cansaço, me é chegado o alívio destinado aos que emergem ao infindo sono que nem a música será capaz de tirar.

Sim, agora eu lhe vejo, todas as suas formas, mesmo que una, mesmo sem cor, ainda lhe enxergo à minha frente, não sou mais eu quem está aí a relembrar as nossas histórias, não sou mais eu a ouvir o pranto contido dos que adormecem do lado de fora, me vejo no lugar que era seu, a princípio me assusto, mas é tão repentino, desta vez após tanto tempo, o mundo me parece mais vívido, eu posso alcançar todos os ceús, todos os chãos, mesmo aqui estando imóvel, paralisado, a contemplar o choro de quem comigo esteve durante a minha escassa passagem pelas avenidas que a essa hora ainda permanecem cobertas de neblina e silêncio.

Ainda é primavera, apesar do frio que sinto, ainda há vida apesar do corpo que não é mais meu, sim, posso enfim abrir os olhos e aguardar pela minha vitória, e buscar as flores que enterrei em algum jardim quando ainda era um menino.