2012-05-13

Charles Bukowski Adormeceu

é o cigarro aceso à palma da mão,
é a lagrima contida à mesa de jantar,
são os pratos quebrados sob os
os nossos chinelos,
é a dor do veneno que chafurda em
nossas veias.

quando não há mais salvação,
resta o sorriso amarelo costurado
na cara e a certeza escarrada
de que os dias viraram anéis
de fumaça.

é a goela ardendo a cada gole
de conhaque barato,
é a puta chorando impiedosamente
pelos seus trocados sujos de sangue,
é a redenção dos inocentes.

à luz da noite,
os pássaros adormecem inquietos.

resta às mariposas,
o silêncio da casa
e o cadáver aberto.

2012-02-02

Velhice

I
Por detrás dos bondes
vejo os meninos correndo

Por detrás da janela
vejo a sala de jantar
vazia e os rostos mortos
sobre a mesa

II
Há mais vida nos sonhos
do que naqueles quintais,
há mais sonhos na morte
do que naqueles varais

III
Enquanto passam os carros,
um homem senta-se à beira
do meio-fio

Traja a velha roupa de marinheiro,
herança de seu pai,
a grande glória que lhe resta

IV
Próximos à linha do trem,
gatos pardos comem restos
de poeira

V
Sob o pranto do céu,
repousam as flores

Corpos blindados em dor
repousam também, ainda que
de olhos abertos

VI
Idem ao II

VII
Os homens invejam a velhice das árvores.

2011-12-11

Marlboro's Bar

Não mais voltar é o que menos importa agora. O último gole da cachaça ficou preso em minha garganta, quase implorando para voltar à tona, mas eu bravamente recusei.

A camisa rasgada, a cocaína, a anfetamina, os palavrões, os tapas, o batom, a violência do beijo dado, a virulência do beijo recusado, o cheiro do olhar que se desviou; eis a grande sinfonia da noite, a barbárie dos ratos, o banquete dos esfomeados, a verve, a luz negra que acoberta todas as atrocidades, o passo em falso dos trôpegos: o berro.

A gargalhada queima feito veneno na pele amarrada, a língua quase encosta-se a meus tímpanos e balbucia sombreada por um rouco riso falso: “Quantos dólares furados cabem em seu bolso imundo, meu querido?”, eis o silêncio presente na melancolia de todos os remédios.

A fome em toda a sua plenitude ecoa em meu estômago, o desvario da dor estala meus ossos, é quase como um câncer suave e silencioso a percorrer cada decímetro de meu corpo, é como se meus olhos finalmente tivessem alcançado a vivência tapeada pela escuridão. Os vira-latas correm em volta dos postes caídos na avenida, e latem pedindo por socorro, e eu até penso em me juntar à matilha, mas resisto outra vez.

O vento leva consigo a brasa ainda acesa do cigarro, ao chão restam as cinzas, e eu sou o chão, estático e frio, eternamente esperando pelos cuspes e pés, sempre os mesmos pés.

Mais uma madrugada relegada ao silêncio, menos um dia destinado a existir, cada vez mais se torna lógico resistir às traquinagens impostas pela tormenta. De qualquer forma, não me resta alternativa a não ser aceitar tudo aquilo que jogam contra o meu corpo.

A morte, a penitência, o escárnio ou a bênção, a uma hora dessas qualquer gosto ou objeto converte-se numa mera questão de ponto de vista. Não mais voltar jamais importou

Até as baratas sabem o caminho de casa.

2011-10-24

Pra Depois

não me espere na antessala
não me aguarde na véspera
de seu aniversário
não me procure na fumaça
do cigarro alheio
não me olhe em seu retrato
rasgado


não ouça a minha voz no seu
toca-fitas
não guarde as cartas que eu
lhe escrevi


de minha parte,
deixo contigo alguns sonhos
velhos e promessas gastas
e a esperança partida
nos escuros botões de seu paletó