2008-05-09

Aos que Vivem

Era quase um sempre: travestido de nunca. Todas aquelas palavras que nada ou muito significavam, toda aquela roupa molhada cheirando a chuva, era tudo muito rápido, inconstante, meio escuro talvez.

Todas aquelas pessoas correndo vagarosamente em volta da praça, parecendo desaparecer lentamente de todas as vistas, para algum dia ou hora ou mês ou segundo que o valha, retornarem ao princípio, munidas de um falso desejo de liberdade vã.

Era quase cinza, quase claro, quase todas as tardes. Aquelas flores mordidas pelos cães famintos, aquela música que parecia sair de todas as bocas, as notas musicais que se partiam, o êxtase, a [falta de] respiração, o alento.

Todos os chãos ali estavam, daqui se podia ver, sentir, esmerar a lembrança que se achava estar escondida em cada canto de todos aqueles quartos imundos, repletos de lençóis levemente molhados, impregnados por cada gota de saudade que ali se fazia existir.

Mas não era mais vã a vontade que se tinha de ali estar, nem eram mais frágeis os corpos que se debatiam de forma perene, nem era mais sujo o piso que jazia encharcado. Existia então um sentido que não haveria mais de ser descoberto ou imposto, por trás de todas aqueles remendos e toda aparente parafernália, por debaixo de todos aqueles pés que se entrelaçavam mudos.

À espreita de todo dolorido e imanente vazio, era possível existir o horizonte que finalmente se quedava, quase infantil, vagarosamente, eternizando a paisagem e transbordando em risos todo o leve desespero que até então habitava aquelas almas fastigadas.

Era quase um fim: travestido de esperança.