2009-04-24

Herói

Olhe para fora: é o mundo que está ali, fugindo de nosso alcance, brilhando como nunca ousou brilhar, fazendo arder os seus frágeis olhos vendados pela vã esperança. É este mesmo mundo que você tentou tomar para si, escondendo à vista de quem buscava mais uma vez reencontrar a sua voz, o mesmo mundo que lhe viu sentir tamanha fome, mesmo depois de ver sua boca encoberta pela poeira.

Um dia, você implorou para ser enterrada viva, eu estava lá, fui eu que recebi o papel de herói marginal, um cavaleiro manco e sujo, vilipendiado pelo seu cavalo de patas quebradas, mas disposto a lhe emprestar a efêmera salvação. Mentira, era tudo uma hilária mentira, e nós sabíamos de cor todas as chagas de nossos personagens, tomamos em mãos aquele ralo sangue vociferado por cima das ruínas de pedras que, até então, repousavam em seu peito.

De fato, após tantos caminhos abarrotados de vidros, e tantas porradas infringidas em nome de santos que julgávamos impuros, nos sobrava a insana felicidade em descobrir que os túmulos deixados à nossa frente, nada mais eram do que espelhos das tristezas confinadas naquela prisão desfeita de grades.

E, mesmo trôpego, com o sopro asmático de dignidade que a minha alma me deixava, digo sem medo de errar, que cumpri com o meu papel. Posso ter caído em todas as vezes que lhe tentei resgatar, mas não me faltou fôlego para mergulhar na mais espessa lama, agarrar em suas mãos e beijá-las às faces, com o afã de me embebedar com as suas lágrimas.

Em dado momento, parecemos ouvir gritos oriundos daquele velho mundo que, a partir de então, se propunha a nos negar, escondendo seus braços de nossa vista, e dando fim à minha tragicômica epopeia.

E cá estamos, finalmente deitados neste leito que nos foi emprestado, assistindo imóveis ao encerramento da tragédia por você reinventada, livres por não mais termos amarras nas canelas, mas ainda presos aos ohos viscerais da eternidade.

Ainda assim, rimos. Não precisamos mais mentir se, a esta altura, não haverá ninguém capaz de sepultar a nossa farsa.

Levante-se, olhe à sua esquerda e contemple todos esses corpos que agora parecem se rebelar: nós nunca estivemos tão próximos ao céu.

2009-04-18

Epístola ao Poeta Morto

E não pense
que teus escritos
lhe eternizarão,

ou que celebrarão festejos
às suas memórias.

E nem guarde a esperança
de que chorarão aos montes
pela sua partida,

ainda que lhe tenha
a marca trágica das
gloriosas derrotas.

Mas ainda assim,
deixo aqui o meu poema
e o meu aplauso.

2009-04-02

Alameda dos Sonhos Perdidos

Novamente encontrava-se sem rumo, despossuído de promessas e submerso nas velhas desilusões que voltavam a alimentar seus olhos castigados, tanto como havia sido outrora.


Não sabia mais onde encaixar os pés, e temia por ter de voltar ao ponto que havia caído, sem mais encontrar uma mão disposta a levantá-lo. Talvez por isso, ele não mais tivesse a certeza de estar caminhando com os pés amarrados ao chão de pó.

Mas a infantil esperança ainda o tomava como par, aquela voz insistente e quase muda, que o ordenava a seguir, não importando para onde ou por qual motivo, independente do caminho ou da distância a ser traçada; habitava ali, a estridente vontade de recomeçar.

Nem que para isso, fosse preciso fazer da agonia a sua voz.


[Essa é a história do cara que confundia nuvens com o chão e, desta forma, queria fazer do céu uma alameda torta para comportar todos os seus sonhos perdidos]