2008-06-03

Murmullo

Voltava a mim então, aquele antigo desejo de me sentir perdido, olhando por todos os lados no aguardo de alguma voz que me pudesse soar familiar, mas ao mesmo tempo era prazerosa a sensação de mais uma vez ser um estrangeito numa terra prometida, um insólito viajante pacato esperando silenciosamente por noites em claro e amizades taciturnas que simulassem preencher o vazio que me habitava.

Eram sentimentos que se debelavam acabando por desembocar em um estado de devassidão que aos poucos eu podia sentir que vinha à tona, ainda que eu não me esforçasse muito para ver ou ter de volta alguns remotos sorrisos que já haviam me sido vendidos de forma tão generosa.

Eu sentia como se o céu me seguisse todas as vezes em que eu descesse àquelas mesmas ruas que sequer sabiam meu nome, eu ia de encontro à tênue cólera restante em mim e em todos os resíduos de lembranças que eu pensava estar reencontrando. Havia sim um anseio de repentinamente bater em todas as portas daqueles sobrados que pareciam tão distantes e olhar as faces de rostos estranhamente conhecidos e me mostrar a eles, rir escancaradamente sem motivo algum; eu precisava me sentir vivo, cortar a própria pele, ir em busca do som que inexistia, sentir o meu próprio suor escorrer pelos braços.

E talvez um dia novamente eu fosse ser um velho jogado num quarto de motel barato em alguma esquina de Montevidéu, acompanhado de uma Coca-Cola sem gás, um cachimbo em ruínas e uma meretriz sonhadora que me assobiasse músicas do Buena Vista Social Club, enquanto eu pisasse prazerosamente sobre aquelas antigas fotos que jaziam queimadas junto ao chão. Eu sentiria o cheiro da fumaça e mais uma vez imploraria cegamente para não ser cedo demais e partir rumo ao mais longíquo porto daquela cidade sem fim, derramando temores e memórias a quem pudesse estar por perto, tendo então um silencioso desejo de mais uma vez estar de regresso ao que me fora deixado.