2006-12-18

Fubá

Corria por todos os lados,à procura da sorte e do bolo de fubá que sua avó sempre fazia.Tropeçou em uma desavisada pedra,e ficou a lamentar-se pelo bolo perdido e o azar encontrado.

2006-12-02

Depois da saudade

É que nos dizem para não termos saudades.E falam também que é feio ser nostálgico.Mas quando olhamos para trás e nos deparamos com nossos inocentes sorrisos juvenis, fica difícil não sentir falta.Eu tenho saudades.E não é de hoje.

Lembro-me bem de quando criança, chorar desconsolado no colo de minha mãe, e ela me perguntava:"Mas menino, por quê você chora?", e eu respondia inconformado:"É que eu não quero crescer...não quero crescer...".E ela nada entendia.Então foi meio cedo que aprendi a ter noção da mais implacável invenção humana:o tempo.

E a gente cresce, as lágrimas cessam e o silêncio aumenta, porque nos acostumamos a ter nossas bocas lacradas,e no fundo pensamos que de nada adiantará (o grito).

E nós gritamos todos os dias, todas as horas, gritamos de bocas fechadas, esperando pelas palavras que um dia roubaram de nós.

2006-11-18

Seresta dos vira-latas

Eu contava as horas,
esperando por algo que não aconteceria.

O murmúrio das gotas de chuva,
só aumentava o meu suplício.

Lá fora,
eu ouvia com perfeição,
à seresta dos vira-latas.

Mas não saberia dizer quanto tempo
isto durou.

Em meu quarto úmido(abafado pelo meu calor),
havia dezenas de cartas esperando para
serem queimadas.

Aliado a isso,
perdurava a minha inútil vontade
de me fazer liberto.

E ainda era setembro.

2006-10-27

Veneno

Éramos eu e minha xícara de café
em uma decrépita cadeira de balanço.

Éramos nós,
e era a noite.

E era o relógio
a recostar-se irônico
na parede da cozinha.

E era uma noite qualquer,
como todas as noites o são.

Mas desta vez o café não acabaria.

Tudo isso,
ao som de um velho blues.

2006-10-04

Ausência

sentidos,
olhares,
pensamentos,
respostas.Ausência de

imagens & corpos,
figuras & sombras,
traços & marcas,
defininições.Brincando sobre

minutos,
respostas,
encontros,
paixões.À espera de

inércia,
compaixão,
abrigo,
ou segredo.Parece ser

segundo
que
antecede
o
limiar
de um
poema.Fim do

2006-09-16

Quando éramos guerrilheiros

Meus velhos livros eram travesseiros,
que aconchegavam meus ideais pueris.
E minhas mãos sequer sangravam,
apesar de toda minha extravagância
juvenil.

Eu ouvia as canções que minha geração
fez nascer,
e entoava hinos de amor à liberdade.
E me achava transgressor por usar boina
e botina.

"Tudo em nome da revolução", repetíamos
entusiasmados.

E pensar que tudo o
que queríamos,
era uns trocados pra ir
ao show do Vandré.

2006-09-03

Beatriz

Se não corta os pulsos, não é por medo ou auto-piedade, mas pelo caçula que esmurra com assustadora insistência a porta do banheiro, que permanece trancado há um bom tempo.”Injerir arsênico talvez fosse mais poético...”ironiza, sem se importar muito o que pensarão os pais quando ao chegar em casa, depararem-se com o quarto em total estado de desordem, as roupas rasgadas e espalhadas, em cima da cama, abarrotadas pelo chão, o espelho rasbicado com batom, os diários destruídos... “Mamãe vai ficar uma fera...” pensa silenciosamente.
“Sete da noite, há 2 horas me encontro aqui, qual pulso corto primeiro?” ironiza novamente, e se recorda da discussão árdua que tivera com a mãe no dia anterior, e recorda também com amargura das duras palavras que falou e ouviu da boca de sua mãe.”Você não é uma filha, é um encosto em minha vida!”, “Mas eu nunca disse que te amava, nunca!”.”Foi um exagero” reconhece, mas não se arrepende, “Sou fútil demais para me arrepender”, mas sabe que no fundo a mãe tem razão.Mais uma vez encontrou em sua velha mochila os papelotes de cocaína, mais uma vez chegara drogada em casa, já de manhã em plena sexta-feira, cheirando a conhaque e lança-perfume, mais uma noite em claro, mais um dia desperdiçado.
O garoto parou de bater, cansou-se provavelmente.Sempre a mesma coisa, as mesmas brigas, o mesmo drama, a mesma cena, os mesmos métodos.E ela se lembra das vezes em que desejou muito ser criança novamente, e correr sem nenhum temor pelo quintal de casa, e brincar de boneca com as amiguinhas, e pegar escondida o delicioso bolo de abacaxi da vovó.Ela sente falta de sua vó também, sente falta das tardes de sábado em que ouvia com fascinação as histórias contadas pela simpática velhinha, e ela sabia que eram só histórias, que nada daquilo era verdade, mas o que importava? Ela se sentia feliz, era isso o que importava.
Se levanta do chão úmido do banheiro, e contempla-se no espelho quebrado.”Meu pai diz que sou linda, que pareço ser feita de porcelana”, ela ri, porque sempre viu o pai como uma figura fria, distante.Preocupação em excesso com o trabalho, a necessidade de pagar as contas no fim do mês, a tão sonhada casa de praia...”E eu ali, perdida clamando por socorro ao lado dele...” mas ele parecia não se importar, afinal o trabalho é que dava o sustento à família não é mesmo?
Sete e meia.Os pais acabaram de chegar, ela ouve o carro estacionar na garagem, e ouve também os passos apressados do irmão em direção à porta, “Eles chegaram!”, e agora? Vai desistir como das outras três vezes(ou teriam sido quatro, cinco...)? Ou terá coragem de cumprir com o que prometera? “Ainda não terminei minha discussão com mamãe”, limpa o rosto, retoca a maquiagem e abre a porta do banheiro.
“Ainda há o sábado que vem”.

2006-08-26

A Rua das Casas Tristes

Veja,
o bonito alvorecer,
as crianças na calçada,
os cachorros andarilhos,
as velhinhas sorridentes
e
as folhas no meio da rua.

Veja,
(já passam das cinco)
o sol que já se põe,
os pivetes sem esperança,
os pombos atropelados
e
os carros desgovernados.

Veja,
a soturna escuridão,
o prelúdio da tristeza,
os morcegos sem destino,
a avenida deserta
e
o fim da serenata.

Amanhã,
nada será como antes.
Infelizmente,
fui o último a saber.

2006-07-20

Elegia

Um velho chora,
na beira da cama,
à espera do tempo.

Um trovador desatina,
na beira do rancho,
à espera da lira.

Um ébrio canta
em meio à orgia,
à espera da fé.

E a noite se cala,
atenta à seresta.

2006-07-17

Onírico

Sonhava com mulheres
que mal conhecia.
E beijava lábios que julgava
vermelhos.
Até o dia em que abriu os olhos
e tentou avistar os céus.
Deparou-se com os telhados.

2006-06-04

Laura levantou cedo, às 7 da manhã. Mas não queria levantar-se.Em seguida tomou o banho que não queria tomar,comeu o pão que não queria comer e botou a roupa que não queria vestir. Laura foi ao trabalho, mesmo sem querer trabalhar. Falou com todos com quem não queria falar e foi para o escritório onde não queria estar. Mais tarde saiu com Júlio (um colega de trabalho) sem querer sair, transou com ele mesmo sem querer transar e foi embora. Assim era a vida de Laura. Uma eterna rotina; não fazia nada do que tinha vontade e se conformava com suas obrigações. Um dia Laura quis chorar. E chorou. Ela não pôde acreditar, finalmente fez algo por pura vontade. A partir daí, Laura começou a fazer tudo aquilo que viesse à sua cabeça.Saía quando queria,comia o que quisesse e falava com quem tivesse vontade.Laura se libertou das algemas da sociedade. Um dia Laura quis morrer.Mas não conseguiu.Não o fez por falta de vontade,mas por pura falta de coragem.Mesmo assim não se conformou,se sentiu uma covarde; porque se não tinha forças nem para morrer,não teria condições de realizar nada de interessante.Afinal o que é mais fácil do que dar fim à própria vida? Assim pensava Laura. No dia seguinte Laura voltou à velha vida medíocre que levava anteriormente.
Retornava assim à velha rotina. ***Às vezes, por questão de sobrevivência ou obrigação, muitas pessoas se vêem presas a uma incessante rotina. Não podem fazer o que desejam. É notório afirmar que apesar de tal fato ter sido abordado com certo exagero no conto acima, acontece comumente. Muitos vivem presos a uma rotina e pouco, ou nada fazem para evitar.O irônico disso tudo é que o único momento em que nada podemos fazer para evitar um fato, é o da morte.A morte é a obrigação de todos nós.Algumas pessoas são tão orgulhosas que,inclusive, fazem questão de,mesmo nessa hora,fazer a sua escolha.A estes damos o nome de suicidas.
***
Iuri