As baianas sobem o morro lentamente, uma por uma, trajando o silêncio reservado aos epílogos das grandes tragédias. Seguram dignamente as sobras de suas fantasias agora já arrebentadas, transformadas em trapos, os mesmos trapos que horas antes as haviam vestido gloriosamente e acompanhado os seus sorrisos quase centenários, inebriados pela bateria.
O silêncio só não é completo graças ao crioulo que sobe o morro marcando os seus passos com o compasso do surdo e que a esta hora confunde-se com o compasso de seu fastigado coração, tum-tum, tum-tum. A mulata chora incosoladamente dentro do barracão, chora pela saudade de ter sido rainha por uma única noite, viveu o ápice de sua vida carnavalesca ao ser aplaudida por todos que a rodeavam, e agora lamenta pela pouca duração de seu reinado.
O chão de terra molhada conserva-se repleto de confete, serpentina, sangue, suor e sonhos, que alimentaram a ilusão daqueles pobres que viraram reis, pierrots e arlequins, empunhando as suas máscaras ainda que por uma noite e dedicando as suas vidas ao esplendor da fantasia que mais tarde servirá de cortina e cobertor.
Por trás do morro a burguesia varre a tempestade, os bate-bolas não vestidos caminham trepidamente pelas ruas, formando uma espécie de retrato de cidade fantasma, que esperará mais 1 ano para que possa ressurgir novamente. Os meninos sem chinelo imitam o Redentor, e oram pelo Deus preto que há de insurgir do asfalto para fazer do morro a sua morada.
Lá de baixo alguns se alimentam dos restos de lembranças, as cabrochas acordam de seus sonhos pitorescos, juntando-se à longa andança fúnebre das baianas, fazendo desabrochar a imperfeição antes escondida e trazendo à tona as suas cicatrizes e máscaras que se racharam ao longo do caminho.
As máscaras quedaram ao chão, a marcha enfim parece ter acabado, mas ainda se ouve o cavaco desafinado que cumpre o papel de redimir todos os pecadores, as suas cordas tortas esboçam os rostos de todos os ausentes, ainda presos às noites anteriores, já saudosos pela partida dos zés pereiras, arlequins e colombinas.
Todos sem direito a julgamento se tornarão cinzas na quarta-feira e farão parte deste cenário agora morto e escasso, mas que em breve dará lugar à folia, mesmo que para isso se torne necessária mais uma áspera caminhada de pés descalços, onde as fantasias já estarão guardadas em seus armários no aguardo pela efêmera glória das folias.
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4 comentários:
A perfeita tradução das cinzas. O lado bom do carnaval, agora num belíssimo texto!
Beijos!
super nostálgica... fique iassim depois de ler seu texto, que me remeteu à carnavais que nunca vivi, mas que sempre quis pra mim...bjossss
Linda visão do carnaval...
[vc ainda escreve aqui, interessante]
OI Iuri, td bem?
Lembrei do seu blog
Fiz um blog e adicionei o seu lá. To passando pra avisar.
Bons textos! Parabéns!
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