2009-07-24

Jazz



-Um cigarro, só mais um maldito cigarro. É tudo o que preciso.

Acordei com o gosto amargo de conhaque vagabundo escorrendo pela fresta de minha boca. Acordei com a ressaca igual a todas as derrotas estampada bem no meio da minha cara. Não, eu não acordei. Ou talvez não quisesse. Há dias em que eu não deveria ter acordado, nos tempos atuais, sonho é um bem tão valioso quanto uma geladeira nova. E eu já tenho uma geladeira, e tudo o que há dentro dela são ovos.

Ela me levou aquele bar da fachada em neon azul, onde apenas as vogais do nome piscavam. Ela tinha um vestido cinza que se confundia com a noite. Dentro do bar era tudo rosa-choque, uns negões simpáticos tocavam versões de músicas do John Coltrane, e o lábio inferior dela tinha gosto de cigarro aceso.

-E me queimou a língua.

Eu me lembro de estar tonto o suficiente para convidá-la a dançar. Ela fingiu rir e se virou, perdendo-se entre as plumas e chapéus panamá que enfeitavam o ambiente. Não, eu não fui atrás dela, em vez disso, me sentei na primeira cadeira que vi e fiquei a assoviar algumas cantigas que minha vó cantava para me fazer dormir, quando criança. Mas ela voltou. Estava ainda mais cinzenta, passou as mãos por entre as minhas pernas, balbuciou algumas palavras em espanhol nos meus ouvidos. O seu lábio inferior ainda tinha gosto de cigarro aceso.

-E me queimou os olhos.

Os amigos dela eram como os gatos pardos que só existem à noite, pois de dia dormem por debaixo de todo o lixo que permeia o chão da cidade, para após o pôr-do-sol vestirem suas coroas de lata e reinarem sobre todos os marginais. Era como se eu não conseguisse vê-los, mas eles me olhavam de cima a baixo, e pareciam fazer piadas, tamanha era a alegria de todos ali.

-Piadas nunca são engraçadas, nem mesmo as minhas.

Não a vi indo embora. Mentira, vi sim. Mas preferi me esconder em algum canto e terminar o meu conhaque, com medo do dia seguinte. Eu jamais procurara alguma espécie de alegria nas luzes artificiais da noite, mas em vez disso, sempre me achava envolto pela nebulosidade alva dos olhos que se despiam das suas vendas.

-Os olhos dela me queimavam o estômago.

Então, eu caí. E acordei implorando a Deus ou sabe lá quem, por apenas mais um cigarro. Um mísero cigarro que pudesse queimar a saudade acesa que se enjaulava dentro de mim.

Um comentário:

Talita Prates disse...

Grata pela visita e contribuição; de fato, Amélia sabe das coisas! rs
Paz. :)