2007-04-30

De nossas escolhas

Eu te chamo pra entrar naquele quarto, sentar ao meu lado naquela cama, e você com sua cara de desentendida, me pede pra lhe contar pela enésima vez a piada do monge tibetano.Sou péssimo pra anedotas, mas eu conto mais uma vez, e você gargalha feito uma criança, se revira na cama, dá palmadas sobre as próprias pernas e de repente pára, e me olha de cima a baixo.

Desvio o olhar, e você já sabia que eu o faria, o que lhe obriga a forçar um riso de canto na boca, no melhor estilo 'sou esperta', então eu acendo meu cigarro, já é meu 2° maço do dia, caminho à minha janela e por lá fico. Você me lembra das contas, reclama do estrago sonoro feito pela festa no apartamento do vizinho uma noite antes, e eu finjo que ouço tudo com muita atenção.

É quase automático, vamos os dois à cozinha, e rimos de nossa cerveja quente, rimos também da água que faltou, e ensaiamos uma pequena discussão sobre o cinema francês, e François Truffaut e etc e tal, mas aí ela me vem com Fellini, baixa a minha bola, e eu me perco mais uma vez.

As malas estão prontas, arrumei com calma, não foi preciso pressa, você zomba da minha mania por perfeição e eu devolvo, implicando com o seu costumeiro relaxamento. Mas eu te prefiro sem maquiagem, as marcas do seu rosto me soam mais humanas, os seus lábios secos parecem mais vivos sem um batom cor de sangue a adorná-los.

Eu lhe digo que você fica mais linda quando está triste, e você me olha meio assustada, como uma criança que se depara com um palhaço a primeira vez, e não sabe se deve rir ou temê-lo. A gente se abraça quente, elogio seu perfume, e me sento ao sofá, dou uma lida no jornal de ontem, e penso comigo que não faz diferença mesmo se é de ontem ou de hoje, porque tudo continua muito igual, as coisas sempre caminham da mesma forma.

Você se senta elegantemente à minha frente, com uma xícara em punhos e diz "Pode tomar o seu café, eu não me importo." E nós sorrimos timidamente.

É a nossa primeira despedida.

3 comentários:

vanessa disse...

Nossa...
é lindo!

Anônimo disse...

meu gostar também é sempre assim: mistura de cuidado, descuido e despedida.

sempre gosto mais da despedida.

Priscila de Oliveira disse...

todo o texto tem uma coisa de iniciante, como se tudo fosse novo e feliz e encerrado com sorrisos... Primeiras vezes, ainda que não boas, são sempre marcantes...